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BR-262: Os desafios da rodovia que corta Manhuaçu

25/09/2013 - Atualizado em 25/09/2013 10h45

MANHUAÇU (MG) e VIANA (ES) – De um lado, há pontos de ônibus movimentados e os acessos aos bairros Pouso Alegre e Alfa Sul. Do outro lado, as ruas que levam ao Centro, lanchonetes, uma parada de carretas, um centro comercial, revenda de peças e armazém de implementos e maquinário agrícola. É em meio a esse movimento intenso que a BR-262 cruza Manhuaçu, no Leste de Minas Gerais, e se tornou praticamente uma avenida com cinco quilômetros de extensão, no trecho em Minas Gerais da estrada que mais registra acidentes, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Basta passar alguns minutos por lá para ver os motivos: motociclistas trafegam pela contramão para fazer retorno, carretas ficam atravessadas na via, pedestres passam correndo e se arriscam em áreas sem faixa de pedestre ou semáforos. Os cinco trechos da rodovia, em Minas e no Espírito Santo, onde núcleos urbanos cresceram em volta enfrentam uma rotina de acidentes e mortes, problemas que um projeto de duplicação e modernização poderia resolver se alguma empresa tivesse se interessado pelo leilão de privatização da estrada.

Em Manhuaçu, nem uma sequência de 14 quebra-molas e o monitoramento por quatro radares eletrônicos consegue impedir acidentes. Enquanto a reportagem percorria a estrada, um motociclista tentou ultrapassar uma caminhonete que saía da rodovia para entrar num dos bairros, não conseguiu parar a tempo e bateu no veículo. Ele teve ferimentos nas pernas e foi socorrido por bombeiros. “Aqui é muito perigoso. Tem gente trafegando ainda em ritmo de viagem e por isso não tem a tranquilidade de desacelerar no tráfego da cidade”, alerta o empresário Luiz Fernando Aquino, de 24 anos, que dirigia a caminhonete.

O empresário estava abalado com o acidente. “A gente sabe que aqui é perigoso e toma os cuidados. Mesmo assim, fico chateado de saber que o motociclista se machucou. Isso acaba com o nosso dia. Estava indo para o trabalho, agora não sei o que vou fazer”, disse. Por causa da batida, longas filas se formaram nos dois sentidos. Carretas com mais de 20 metros tiveram de manobrar sobre ruas e passeios para desviar dos veículos acidentados.

Em 2011, quando o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) divulgou a última pesquisa de acidentes por trecho, os kms 29, 33 e 34 da estrada, exatamente em Manhuaçu, sete pessoas morreram e 57 ficaram feridas. Em 2012, houve 262 acidentes com 140 mortes em toda a rodovia, incluindo o trecho até o Triângulo. No trecho específico, a PRF de Minas não soube informar o número de acidentes e alegou que estava com o seu sistema fora do ar durante a semana. Já a PRF do Espírito Santo informou que ocorreram 6.049 acidentes e 129 mortes entre 2011 e 2013 no trecho capixaba da rodovia.

Os acidentes são rotineiros, segundo o técnico agrícola Osseny Pinel, de 31 anos, que trabalha numa loja de equipamentos agropecuários. “Não passa um dia sem uma batida ou atropelamento aqui”, afirma. O mais grave que ele presenciou não continua na memória. “Estavam pai e filho numa moto, atravessando a rodovia. Não olharam direito e uma carreta os pegou. Os dois foram jogados a mais de dez metros de distância e o menino morreu no hospital. Uma coisa que a gente nunca vai esquecer”, disse.

Do passeio da 262, o estudante Leonardo Reis Carvalho, de 15 anos, tenta conseguir uma carona para casa, em Reduto. Como estuda na vizinha Manhuaçu e não tem outro meio de transporte, ele precisa se sujeitar a essa rotina. “Assusta estar do lado de uma pessoa, vê-la atravessando a rodovia e ser atropelada. As pessoas esquecem que a BR é movimentada e entram nela como se tivessem passando pela rua de casa”, afirma.

 Radares e quebra-molas

No lado do Espírito Santo, pelo menos, em vez de radares e quebra-molas, foram instalados semáforos nos cruzamentos em passagens na área urbana de Venda Nova do Imigrante, Ibatiba e Viana. Isso organiza melhor o trânsito e ajudou a reduzir os acidentes, de acordo com moradores.

Os trevos que levam a outras rodovias também são problemáticos, já que os veículos na 262 acabam tendo de ceder passagem, o que gera longas filas, especialmente em épocas de recesso, quando o movimento é intenso, sobretudo de mineiros em férias no litoral.

Em Realeza, distrito de Manhuaçu, no caminho para Vitória, o tráfego no trevo com a BR-116 quase para quando carretas maiores precisam circundar as rotatórias. Em Viana, já quase no fim da estrada, a interseção com a BR-101 tem placa de parada obrigatória para quem chega pela 262, o que na prática faz com que os veículos que vão de Minas para o Espírito Santo tenham de esperar que todos os carros passem ou aguardar a gentileza de outros condutores para permitir passagem. Esses conflitos nos entroncamentos poderiam ser sanados com a construção de trincheiras ou de viadutos, num projeto de ampliação.

Segundo o Dnit, mesmo sem a concessão, a rodovia tem dois contratos vigentes. Um deles, de manutenção e conservação, prevê R$ 11,7 milhões em recursos gastos em dois anos e começou a vigorar em janeiro deste ano. O outro, iniciado em junho, destina R$ 17 milhões para a correção de pontos críticos.



A multidão de curiosos ficou admirada com o caminhão que tombou com a carga de enlatados a um metro do abismo. Para não bater num carro que fazia ultrapassagem proibida numa curva no km123 da BR-262, em Conceição do Castelo (ES), o motorista jogou o veículo de 15 toneladas no mato, porque não havia acostamento ou área de escape. “Esse (motorista) foi herói. Jogou com a sorte. Se fosse eu, batia para não morrer, passava por cima”, afirmou um carreteiro antes de deixar o local do acidente, na última quinta-feira.

As palavras do caminhoneiro são chocantes, mas expõem dilemas e riscos de quem percorre a rodovia e pode se tornar vítima da burocracia oficial, da pressão de concessionárias por maior retorno financeiro e da queda de braço entre a bancada capixaba no Congresso e o governo federal sobre cobrança de pedágio. O resultado desse imbróglio apareceu na quarta-feira, quando nenhuma empresa apresentou proposta para o leilão feito pelo governo federal para a obra de duplicação da rodovia. Será necessário então dar início a novo processo de licitação.

A demora na revitalização da estrada traz consequências trágicas. Em 2011, só trecho urbano de Manhuaçu, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) registrou acidentes com sete mortes e 57 feridos nos kms 29, 33 e 34 do perímetro urbano. Rotina que não mudou, segundo o técnico agrícola Osseny Pinel, de 31 anos, que trabalha numa loja de equipamentos agropecuários.

Para mostrar os perigos e gargalos enfrentados por quem se aventura pela estrada, uma das principais rotas dos mineiros que passam férias no litoral do Espírito Santo, a reportagem do Estado de Minas percorreu 375,6 quilômetros da 262, entre João Monlevade, no Vale do Aço, e Viana, na Grande Vitória. O edital que fracassou determinava que 188,8 quilômetros fossem duplicados pela concessionária vencedora, restando ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) o resto da ampliação. A via tem traçado antigo e sinuoso em alguns trechos, com poucos pontos de ultrapassagem e com terceira faixa. Além disso, a rodovia se mistura ao perímetro urbano em Manhuaçu e Martins Soares e no Espírito Santo (Venda Nova do Imigrante, Ibatiba e Viana).

E é logo no começo, quando a 262 deixa de integrar a Rodovia da Morte (BR-381), e segue para o litoral capixaba, a partir de um trevo de Monlevade, que os riscos de acidente surgem, em trechos em que a ampliação e conservação são urgentes. Os primeiros metros da estrada passam sob um viaduto em péssimo estado de conservação, usado por quem vem da 381, sentido BH, e quer pegar a 262.

Os guarda-corpos da ponte, feitos de peças pesadas de concreto, estão amarrados precariamente com uma gambiarra de bambu e arames para não despencar sobre os veículos que passam a 6 metros, na pista abaixo. Quando passam carretas rodotrens e bitrens, algumas com mais de 30 metros de comprimento, a estrutura inteira balança, dando a impressão de que vai cair, fato que já ocorreu numa das cabeceiras, mas os destroços foram parar no canteiro.

A pista simples é pior no lado mineiro da estrada. Há pelo menos três pontos onde existem erosões abertas por chuva há dois anos e que podem avançar sobre a pista. Um deles está no km 194, em Bela Vista de Minas, com 48 metros de comprimento e 4 metros de profundidade. O buraco já engoliu o acostamento e parte da pista no sentido Monlevade. Obstáculos como esse deixam alunos das comunidades rurais apavorados, porque precisam embarcar nos ônibus diariamente para ir à escola. É o caso de Alef Vinícios Silva Santos, de 14 anos, morador de Buraco Sabino, em Bela Vista de Minas. “A gente fica muito assustado, porque a rodovia já é apertada para tantos caminhões. Com os buracos (erosões), eles (caminhoneiros) jogam o veículo para cima da gente e quase batem no ônibus”, conta. O garoto precisa andar por uma trilha no meio do mato por 20 minutos, mas é da estrada que ele tem mais medo. “Não gosto de andar pelo acostamento. As carretas descem muito rápido e quase levam a gente embora com o vento”, disse o adolescente.

DEFESA DO PEDÁGIO

A duplicação é um dos benefícios que o leilão traria, a partir do segundo ano de concessão. Muitos caminhoneiros dizem não se importar de pagar pedágio. “Compensa pagar sim. Essa rodovia é estreita demais. Se não conhecer bem as curvas e o traçado, pode cair numa canaleta, tombar e morrer. Se escapar, ainda tem o prejuízo, os dias parados”, disse o caminhoneiro capixaba Fábio Júnior da Silva, de 25 anos, que viajava com a mulher, Angelina Friederich, de 21.

O temor que Fábio Júnior tem de sofrer acidente virou realidade para outro carreteiro, Amarildo Vingler, de 49. O veículo dele sofreu pane e, como não há acostamento no km 156, ele teve de jogar o caminhão com carga de granito na valeta para não bater em outros veículos. “Estava quase perdendo o controle. Se não me jogasse na vala, poderia ter atingido os carros que estavam passando perto”.
 

O tráfego de veículos pesados faz muitos motoristas arriscarem manobras imprudentes. O desrespeito ao limite de velocidade é outro perigo. No km 91, o trecho que antecede o trevo de Sericita tem limite de 60 km/h para regular o fluxo de veículos que acessam a passagem e dos que seguem a rodovia. No entanto, a maioria trafega acima de 80 km/h. Em apenas 20 minutos de medições com um radar, a reportagem flagrou carros e motos chegando a 100 km/h, ou 67% acima do permitido.

QUEDA DE BRAÇO

Como parte do Programa de Investimento Logístico do governo federal, o trecho de 436,6 quilômetros da BR-262 entre João Monvelade e as praias capixabas deveria ter sido leiloado na quarta-feira. Era a promessa de boas condições de rodagem ao custo do pagamento de tarifas. No entanto, nenhuma empresa se interessou pela duplicação. O ministro dos Transportes, César Borges, responsabilizou a bancada de deputados capixabas pelo fracasso da licitação.

Eles teriam ameaçado entrar na Justiça contra a cobrança de pedágio nas duas praças do estado vizinho. Isso porque a obra do lado de lá da divisa seria feita com recursos da União por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os capixabas não veem razão para pagar tarifa pela duplicação.

As concessionárias alegaram que o desinteresse foi devido ao baixo retorno do investimento e às dificuldades geográficas do projeto. Mas parlamentares capixabas chegaram a cogitar que as empresas teriam se articulado para o leilão ficar sem propostas a fim de forçar sua reelaboração, aumentando assim a taxa de retorno.

Reportagem do Jornal Estado de Minas - 22 de setembro de 2013 - Mateus Parreiras / Fotos Beto Magalhães/EM/D.A Press / Colaborou Pedro Rocha Franco

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