MANHUAÇU (MG) - Aprovado pela Câmara dos deputados em abril, o Projeto de Lei 4330, que regulamenta a terceirização nas empresas, chegou no último dia 28 ao Senado. Ainda caberá análise dos parlamentares e o texto ainda pode ser modificado, caso aprovado segue para o Executivo para sanção ou veto da presidente. Se sancionado, o projeto pode significar a perda de direitos como 13º salário, férias remuneradas e aviso prévio indenizado. O advogado especializado em direito tributário e direito de empresa e também militante de direito trabalhista, Dr. Fauze Gazel, explica as principais modificações que o projeto pode trazer as relações trabalhistas.
O que prevê o Projeto de Lei 4330, a respeito da terceirização?
A terceirização como é prevista hoje é a permissão de entrega a terceiros de parte da atividade da empresa, desde que não seja o objeto principal daquela atividade, isto é, a atividade-fim da empresa. O que o PL 4330 pretende é ampliar essa barreira entre a terceirização de parte da atividade para uma terceirização ampla e irrestrita, sem respeitar os limites previstos na própria CLT. Se você entender a Constituição Federal faz previsão expressa de que, nas relações de trabalho, têm que ser respeitado os direitos sociais, nós não podemos entender como um projeto de lei possa alterar substancialmente o próprio texto da Constituição Federal.
Toda e qualquer empresa irá poder terceirizar?
Hoje toda e qualquer empresa pode terceirizar, desde que não seja toda a sua atividade. Com esse PL, essa terceirização passa a ser ampla e irrestrita, a todos os aspectos da empresa, inclusive na sua atividade fim.
Qual seria a consequência para o trabalhador, caso a PL 4330 seja aprovada?
A perda nós já estamos vendo, que é a retração na capacidade de contratar, isto é, vai haver desemprego. Por um tempo haverá um aumento nas contratações, mas com perda salarial. O trabalhador vai ser recontratado com salário menor. Além disso, que eu vejo como principal perda, são aquelas garantias que a relação contratual normal garante ao trabalhador: férias, 13º salário, aviso prévio indenizado, piso salarial da categoria, seguro desemprego, entre outros. É interessante ressaltar que esse projeto vem em um momento econômico de muito desajuste no país. Eu acredito, e nisso me espelho no pensamento de constitucionalistas brasileiros e professores da área do direito do trabalho, entre eles o presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB federal, Bruno Reis de Figueiredo, de que haverá perda substancial para o trabalhador. Essa terceirização, como o PL 4330 prevê, vai representar um retrocesso de anos de luta histórica pela valorização do trabalho e, principalmente, daquele trabalhador regido pela CLT, isto é, aquele que mesmo não sendo da iniciativa privada, regido por CLT também no setor público, irá sofrer prejuízos.
A denominação “pejotização” tem sido utilizada pela jurisprudência para se referir à contratação de serviços pessoais, exercidos por pessoas físicas, de modo subordinado, não eventual e oneroso, realizada por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, na tentativa de disfarçar eventuais relações de emprego que, evidentemente, seriam existentes, fomentando a ilegalidade e burlando direitos trabalhistas. Esse projeto pode representar uma “pejotização” dos trabalhadores nas empresas?
Sim. Esse projeto é muito perigoso porque nós temos entendimento consolidado dos Tribunais Regionais do Trabalho a respeito do que é terceirização lícita e ilícita. Então com a eventual sanção desse projeto de lei, da forma como ele foi aprovado pela Câmara e vai agora ao Senado, de permitir essa ampla e irrestrita terceirização, nós vamos jogar por terra anos de construção jurisprudencial, anos de estudos doutrinários sobre o lícito e ilícito na terceirização do contrato de trabalho.
Com a terceirização, casos de problemas trabalhistas (como assédio moral, condições degradantes de trabalho ou o próprio trabalho escravo) podem se multiplicar, partindo do pressuposto em que terá uma atuação menos da justiça do trabalho?
Eu acho cedo para fazer uma avaliação nesse aspecto. Mas é claro que, quando se coloca frente a frente capital e trabalho (empregador e empregado), desde Marx e Engels estudaram essa força antagônica entre um e outro, existe efeitos quando o capital se sobrepõe ao trabalho e quando o trabalho resiste à sobreposição do capital. Então, é isso que a justiça do trabalho têm feito, polindo as arestas dessa relação, isto é, dizendo o que pode e o que não pode para ambos. Bem, com a terceirização, nós vamos observar alguns efeitos nocivos sim. O meu medo não é na justiça do trabalho, porque ela sempre tende para o trabalhador, isto porque, ele é hiposuficiente na relação de contrato de trabalho. Eu tenho certeza que em nenhum TRT teremos problema na análise do que é lícito e ilícito em termos de terceirização. O meu medo é quando essa terceirização vai para o serviço público, porque aí, o julgamento do que é lícito e ilícito, é competência da justiça comum, das justiças estaduais e federais. Nessas justiças não há nenhuma uniformização de pensamento.
Mesmo sem vínculo trabalhista de CLT, ainda se terá uma intervenção da justiça do trabalho?
Se há subordinação, salário, pessoalidade e continuidade, será uma relação de emprego, mesmo que terceirizado. Agora, se essa terceirização for usada para fins ilícitos, para fraudar a lei e a previdência, pode ser alvo sim de análise da justiça do trabalho.
Essa PL pode trazer algum benefício?
A terceirização, como está na lei hoje, é valida. Ela é bem estruturada, mas existe um corte jurídico separando terceirização lícita de ilícita.
Você está me dizendo então que essa PL vem para “mexer em um time que está ganhando”?
De certa forma sim. Ela vai trazer algum tipo de benefício? Vai. A atividade empresária vai ganhar um pouco mais de agilidade, isso porque vão poder formular contratos de trabalho sem registro formal em carteira, será possível contratar e rescindir o contrato sem intervenção sindical, etc. Vai ter mais agilidade, mas se compararmos os benefícios com os prejuízos ao trabalhador, no plano social, esses prejuízos são maiores. Se o projeto pretende tornar a atividade empresarial mais ágil, eu pessoalmente, vejo que existem outras ferramentas administrativas, sociais, tributárias e legislativas, muito mais ágeis do que a terceirização ampla e irrestrita.
Quais serão os trabalhadores mais prejudicados?
Os mais prejudicados serão aqueles trabalhadores que dependem da sua força física, trabalhadores braçais e que não demandam de esforço intelectual. Isto porque temos um alto índice de desemprego no país, com a recessão irá piorar. O que o Governo fez agora? Alterou as regras do seguro desemprego, restringiu, menos pessoas irão receber agora porque o desemprego irá aumentar, com isso quem tiver maior capacidade de negociar sua força de trabalho, sairá na frente.